sexta-feira, 17 de julho de 2009

A PROPÓSITO DA TRADUÇÃO

Escolhi um a um os 44 sonetos de Shakespeare que
traduzi para este livro. Eu tinha me proposto
inicialmente a escolher 22, apenas para mostrar a
minha forma de traduzi-los, porém outros sonetos se
somaram aos primeiros e, agora, com estes, chego ao
limite que considero um volume razoável para um
livro de poemas. E encerro nos 44, porque quero que
possam ser todos lidos por qualquer pessoa,
principalmente as que não estejam habituadas a ler
poesia.
A minha proposta caminha em sentido
contrário aos conceitos de tradução dos sonetos de
Shakespeare, pelo que posso ver em outras publicações,
ao dispensar a métrica e a rima do soneto inglês
original. Preferi perder o soneto, mas salvar o poema.
Além disso, nunca estudei tanto o Bardo para descer
a profundidades literárias formais. Minha
sensibilidade, no entanto, há muito pedia um novo
modo de escrevê-los que eu apenas não sabia como
iniciar. Porém, uma vez iniciado, segui até o fim do
meu propósito, mesmo alegando ignorância na
matéria shakespeariana.
A força do que Shakespeare pôs em seus
impossível dizer tudo o que ele colocou sob esta forma
em português. Os versos devem revelar poesia e não
apresentar um poema encarcerado. Há sonetos que,
se tivesse seguido a sua tradução literal ou
acompanhado a métrica e a rima, eu não teria chegado
ao mesmo resultado. Muitas vezes tive de interpretar
o que Shakespeare quis dizer, ou eliminar do verso o
que não fosse importante em português, pois ao
traduzir fazemos uma escolha de sentido e relevância.
No Soneto 43, por exemplo, o uso de
“pálpebras” no lugar de “sightless eyes”, ou seja, “olhos
que não vêem” por estarem fechados durante o sono,
foi uma interpretação que fiz em termos formais, pois
“eyes”, no caso, estão sob as pálpebras e, por estarem
fechados, os olhos não podem ver, e é justamente sobre
as pálpebras que se projetam os sonhos. Bem como a
expressão “dead night”, que literalmente significa
“noite morta”, que preferi usar “na calada da noite”,
em vez de optar pelo seu sentido literal:

When in dead night thy fair imperfect shade
Through heavy sleep on sightless eyes doth stay?
All days are nights to see, till I see thee,
And nights, bright days, when dreams do show thee me.

Quando na calada da noite tua sombra bela e imperfeita
Permanece sob minhas pálpebras durante o sono?
Todos os dias são noites até que eu te veja,
E as noites, dias claros, ao te mostrar em meus sonhos.

Realmente, a imagem é belíssima, mas não me
preocupei como outros tradutores resolveram isto. Já
li traduções formais que parecem tão desconfortáveis
que chegam a perder todo o sentido. É claro que
empresto o meu modo de escrever aos sonetos, a minha
forma de dizer a mesma coisa, e traduzir não é senão
isto, pelo menos, como eu entendo. Mesmo em prosa,
transcrevo como costumamos dizer em português.
Não traduzo nada literalmente a não ser que tenha o
mesmo sentido e seja assim que digamos. Há vezes
que coincidem, outras são diametralmente opostas.
Sou tradutora há mais de vinte anos, mas só cheguei a
este modo de traduzir com o tempo e o exercício
constante, e a interpretação sempre foi uma
característica ao buscar o que estava sob a capa formal
da palavra.
Ao mostrar o que vinha traduzindo, muitos
dos que leram os sonetos me incentivaram a continuar,
dizendo-me que finalmente entendiam o que
Shakespeare escrevera, que não haviam compreendido
em outras traduções. Justamente em prol da
compreensão dos sonetos de um dos poetas mais
controversos e decantados de todos os tempos, que
me pus a traduzi-los do modo como eu os sentia e
como poderiam ser escritos em português, sem me
preocupar em enformá-los em nenhum molde,
deixando apenas aflorar a beleza contida em seus
versos.


Um comentário:

  1. Thereza Christina Rocque da Motta, parabéns pela tradução.
    Postei,no facebook,a sua tradução do soneto 43.
    Caso haja algum impedimento legal, por favor, avise-me.

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