sexta-feira, 17 de julho de 2009
A PROPÓSITO DA TRADUÇÃO
44 SONETOS ESCOLHIDOS
SONETO 12
Quando conto as horas que passam no relógio,
E a noite medonha vem naufragar o dia;
Quando vejo a violeta esmaecida,
E minguar seu viço pelo tempo embranquecida;
Quando vejo a alta copa de folhagens despida,
Que protegiam o rebanho do calor com sua sombra,
E a relva do verão atada em feixes
Ser carregada em fardos em viagem;
Então, questiono tua beleza,
Que deve fenecer com o vagar dos anos,
Como a doçura e a beleza se abandonam,
E morrem tão rápido enquanto outras crescem;
Nada detém a foice do Tempo,
A não ser os filhos, para perpetuá-lo após tua partida.
SONETO 14
Não faço meus julgamentos pelas estrelas;
Embora conheça bem a astronomia,
Mas não para adivinhar o azar ou a sorte,
As pragas, as privações, ou as mudanças de estação;
Nem posso adivinhar o futuro próximo,
Dando a cada um a sua tormenta,
Ou dizer aos príncipes se tudo passará,
Predizendo o que apenas os céus podem trazer:
Porém, retiro a minha sabedoria de teus olhos,
E (eternas estrelas) neles entendo a sua arte,
Pois, juntos, vencerão a verdade e a beleza,
Se de teu próprio ser verteres o teu alento;
Senão, isto, eu prenunciaria:
Em ti toda a verdade e beleza findam.
SONETO 17
Quem crerá em meu verso no futuro,
Se for tomado por teu completo abandono?
E Deus sabe que tua vida se transformou em tumba,
Sem deixar entrever sequer a metade de teu ser.
Se eu pudesse descrever a beleza de teus olhos,
E enumerar infinitamente todos os teus dons,
O futuro diria, este poeta mente,
Tanta graça divina jamais existiu em um ser.
Podem os papéis amarelados em que escrevo
Serem desprezados como velhos falastrões,
E tuas verdades poriam fim à ira deste poeta,
E prolongariam o som de uma antiga canção:
Mas, se um filho teu vivesse, então,
Viverias duas vezes – nele e em meu canto.
SONETO 18
Como hei de comparar-te a um dia de verão?
És muito mais amável e mais amena:
Os ventos sopram os doces botões de maio,
E o verão finda antes que possamos começá-lo:
Por vezes, o sol lança seus cálidos raios,
Ou esconde o rosto dourado sob a névoa;
E tudo que é belo um dia acaba,
Seja pelo acaso ou por sua natureza;
Mas teu eterno verão jamais se extingue,
Nem perde o frescor que só tu possuis;
Nem a Morte virá arrastar-te sob a sombra,
Quando os versos te elevarem à eternidade:
Enquanto a humanidade puder respirar e ver,
Viverá meu canto, e ele te fará viver.
SONETO 19
Tempo voraz, corta as garras do leão,
E faze a terra devorar sua doce prole;
Arranca os dentes afiados da feroz mandíbula do tigre,
E queima a eterna fênix em seu sangue;
Alegra e entristece as estações enquanto corres,
E ao vasto mundo e todos os seus gozos passageiros,
Faze aquilo que quiseres, Tempo fugaz;
Mas proíbo-te um crime ainda mais hediondo:
Ah, não marques com tuas horas a bela fronte do meu amor,
Nem traces ali as linhas com tua arcaica pena;
Permite que ele siga teu curso, imaculado,
Levado pela beleza que a todos sustém.
Embora sejas mau, velho Tempo, e apesar de teus erros,
Meu amor permanecerá jovem em meus versos.
SONETO 20
Tens a face de mulher pintada pelas mãos da Natureza,
Senhor e dona de minha paixão;
O coração gentil de mulher, mas avesso
Às rápidas mudanças, como a falsa moda que passa;
Um olhar mais brilhante, e mais autêntico,
A imantar tudo que contempla;
Uma cor masculina, a guardar todos os seus tons,
Rouba a atenção dos homens, e causa espanto às mulheres.
Se como mulher tivesses sido primeiro criado;
Até a Natureza, ao te conceber, caiu-lhe o queixo,
E eu, também, caído a teus pés,
Nada mais acrescento ao meu propósito.
Mas, ao te escolher para o prazer mais puro,
Teu é o meu amor e, teu uso dele, o seu tesouro.
SONETO 22
Meu espelho não me dirá que envelheço,
Enquanto tenhas a mesma idade e juventude;
Mas quando em ti vejo a essência do tempo,
Sinto que a morte expiará meus dias.
Pois, toda a beleza que viceja em ti
É apenas um prolongamento do meu coração
Que vive em teu peito, como o teu em mim:
Como, então, eu seria mais velho do que és?
Ah, então, meu amor, sê cuidadosa
Como eu, não por mim, mas por tua vontade;
Carregando teu coração, que guardarei comigo,
Como a ama que protege seu bebê querido.
Não penses em teu coração quando o meu fenecer;
Tu me deste o teu para nunca mais o devolver.
SONETO 27
Cansado do trabalho, corro ao leito
Para repousar meus membros exaustos de viagem;
No entanto, inicia-se uma jornada em minha mente,
Depois que a atividade de meu corpo cessa:
Assim, meus pensamentos (vindos de muito longe)
Começam uma lenta peregrinação até onde estás,
E fazem que meus olhos sonolentos não se fechem,
Encarando o negror que os cegos veem:
Exceto que a visão imaginária de minh’alma
Traz tua sombra invisível,
Que, como uma joia suspensa no escuro,
Adorna a noite turva, a renovar seus traços.
Vê! Assim, de dia, as pernas e, à noite, a mente,
Nem por mim, nem por ti, encontram paz.
SONETO 29
Quando em desgraça, sem sorte e afastado
Dos homens, sozinho, em meu exílio,
Perturbo os Céus surdos, a gritar sem sossego,
E olho para mim, e amaldiçoo meu destino,
Sonhando ser mais afortunado,
Como homem de muitos amigos,
Cobiçando seus talentos e visão,
E aquilo que mais aprecio sinto menos satisfeito;
Mesmo, nesses pensamentos, quase me desprezando,
Feliz, penso em ti – depois em meus bens
(Como a cotovia elevando-se ao romper do dia
Das entranhas da terra), em hinos a louvar o céu;
Pois, lembrar de teu doce amor traz tanta riqueza,
Que desdenho trocar meu dote com reis.
SONETO 30
Quando, em silêncio, penso, docemente,
Sobre fatos idos e vividos,
Sinto falta do muito que busquei,
E desperdiço um tempo precioso com antigos lamentos:
Então meus olhos naufragam sem mais saber chorar,
Por queridos amigos envoltos pela noite do esquecimento,
E novamente choro o amor há tanto abandonado,
Gemendo por algo que não mais vejo:
Assim, posso sofrer as velhas dores,
E lamentar, de pesar em pesar,
Uma triste história de antigas mágoas,
Que pranteio como se não as tivesse pranteado antes.
Mas quando penso em ti, querida amiga,
Todas as perdas cessam, e a tristeza finda.
SONETO 31
Teu peito contém todos os corações,
Que eu, por não os ter, supus mortos;
E onde reina o amor, e tudo o que o amor mais ama,
E todos os amigos que pensei jazidos.
Quantas lágrimas santas e obsequiosas
Roubaram o amor sagrado de meus olhos,
Como maldição dos mortos, que agora ressurge
Entre coisas invisíveis que em ti se ocultam!
Tu és a tumba onde o amor enterrado vive,
Preso aos trunfos dos amores que partiram,
Que entregaram a ti tudo que pertence a mim;
E, por isso, tudo agora é apenas teu:
Tudo que neles amei, eu vejo em ti,
E tu (todos eles) me tens em tudo que sou.
SONETO 38
Como pode minha Musa inventar seus motivos,
Enquanto vives a derramar em meu verso
Teu doce argumento, sublime demais
Para se traçar sobre um papel comum?
Ah, agradeça a ti mesma, se em mim
Persiste o alento que se sustenta à tua frente;
Somente o estúpido não poderia te escrever,
Quando tu mesma dás luz à invenção?
Sê a décima musa, dez vezes mais valiosa
Do que as outras nove antigas que os poetas invocam;
E aquele que te chamar, faze com que traga
Eternos versos que vivam por um longo tempo.
Se à minha leve Musa agradar esses curiosos dias,
Minha será a dor, mas tua será a rima.
SONETO 40
Toma todos os meus amores, meu bem, sim, toma-os todos;
O que mais tens agora que antes já não tinhas?
Nenhum amor, meu bem, que possas chamar de amor;
A mim tinhas por inteiro, antes de me teres mais ainda.
Então, se pelo meu amor tu o recebeste,
Não posso culpar-te pelo meu amor que usaste;
Mas, mesmo culpada, se porventura te enganaste,
Por orgulho do que tu mesma recusaste.
Perdoo-te por teres me roubado, gentil ladina,
Embora roubes de mim toda a minha riqueza;
Ainda assim, o amor sabe, é uma tristeza inda maior
Suportar do amor o erro do que a injúria do desamor.
Lascívia graça, em quem todo o mal se mostra,
Mata-me com teu desprezo, mas não nos tornemos inimigos.